Por Jorge A. de M. Acosta Junior

Em janeiro de 1990, Grant Morrison fez um favor a todos nós, alertando-nos sobre os perigos que começam a desenhar o mundo de modo quase imperceptível, como as energias invisíveis do Professor Horrobin. Tudo isso em Hellblazer #25 e #26, onde o mago John Constantine, durante uma trip por um Reino Unido tão sombrio como a alma humana, desembarca em Thursdyke, uma pequena vila onde uma base do exército norte-americano realiza algumas experiências.

“ Na Inglaterra de Thatcher, cada um se vira como pode. ”

As palavras do homem que leva Constantine até a pequena vila dão sentido a grande alegoria criada por Morrison, a grande orgia de desejos mórbidos no carnaval de Thursdyke é o reflexo do furor neoliberal da política da Dama de Ferro. Ainda, Morrison aborda a morte de Deus e o estabelecimento da ciência como “nova religião”, nas palavras do Professor Horrobin. Ou seja, o desfecho macabro e apocalíptico de nossa sociedade é justamente o entrelaçamento das máscaras do capitalismo selvagem de Thatcher e do ritmo frenético da razão científica emitida pela ilusória maquina vazia.

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“ Deus nos abandonou, Sr. Constantine. ”

“ Ah, empregos… em outras épocas as pessoas vendiam a alma em troca da imortalidade ou de riquezas. Agora somos comprados e vendidos com a promessa de empregos. “

– Padre Godfrey Bayliss

“ Estão brincando com máscaras as vésperas do apocalipse…” reclama um cidadão de Thursdyke, embora ele perceba que algo errado está acontecendo na cidade, não é possível perceber que as próprias máscaras são o apocalipse. Quando todos começam a ouvir a MÚSICA DA TRANSFIGURAÇÃO colocam suas máscaras e partem numa marcha desvairada realizando todos seus desejos mais obscuros, fazendo nascer em si o que o Professor Horrobin chama de “um ‘REI-DEUS’ de potencial irrealizado”.

Não estaria Morrison descrevendo a sociedade consumista num espetáculo sem fim?

Seriam as máscaras da marcha insana a nossa facilidade de deixar que simulacros midiáticos assumam o papel central de nossas vidas?

A marcha não seria nossa demente compulsão de realizar nossos desejos do “Ter”, consumindo nós mesmos?
A TRANSFIGURAÇÃO é a corrupção do desejo, a morte do amor em cada um de nós, é a dominação do ódio e da competição na sociedade capitalista/instrumental. É o pai que mata a mulher e o filho recém-nascido, por não aceitar não ser mais o bebê da família. Esta é a metáfora chave do conto de Morrison, o homem como bebê eterno, preso nos desejos infantis do consumo e da diversão. Ao assumir a horda da loucura, o Arcebispo Bomba pastoreia seus súditos numa caminhada ao encontro de Azrael, o anjo da morte, numa procissão à autodestruição.

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Não seria um aviso para nossa sociedade autodestrutiva???

O horror em Hellblazer #25 e #26 não nasce na fantasia, em demônios vindos das profundezas do inferno para assolar a humanidade. Pelo contrário, é a própria humanidade fazendo nascer o inferno na Terra, emergido de dentro de cada alma.


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