Max e Furiosa, aliados improváveis em uma jornada ao fim do mundo (como conhecemos).
Banner digital do filme, encontrado em <http://www.thescifiworld.com/PT/index.php/noticias/cinema/item/1559-trailer-final-de-mad-max-fury-road> Acesso em 16 de junho de 2015.

Max Rockatansky vagueia pelo deserto há 36 anos, desde que sua família foi assassinada por uma gangue de motoqueiros, em uma estrada entre o nada e o lugar-nenhum. Talvez não seja esta a contagem de tempo dos personagens, mas a história do patrulheiro rodoviário  que se tornou o mítico Guerreiro das Estradas começou a ser contada em 1979, por George Miller, em um filme B australiano de baixíssimo orçamento que, sem querer, acertou o Zeitgeist na mosca. Crise de combustíveis, niilismo social e político, a ressaca da cultura Hippie e a ascensão do movimento Punk duelavam nas rodovias desertas da Austrália, simbolizados pela alucinada quadrilha de Toecutter e pelo policial interpretado por um estreante Mel Gibson, que além de perseguir os criminosos, lutava para manter sua sanidade em meio à escalada de violência. Mad Max se tornou um Cult Movie do início da década de 1980, inaugurando um estilo cinematográfico – o dos filmes pós-apocalípticos – e irmanando-se a distopias como Blade Runner e O Exterminador do Futuro, na previsão de um futuro nada animador para a civilização ocidental. O filme teve duas sequências, de orçamento bem mais  generoso e, desde Mad Max – Além da Cúpula do Trovão, de 1985, George Miller vinha prometendo dar continuidade à história. Quase quatro décadas depois, o diretor entrega Mad Max – Fury Road para o público.

O Guerreiro das Estradas, agora, tem o rosto de Tom Hardy e, já no início do filme, é capturado pela tribo de Immortan Joe, senhor feudal do deserto apocalíptico, que detém para si os último reservatórios de água, aquilo que resta de alimento e um grupo de mulheres férteis, com as quais gera, de forma endógena, sua raça de escolhidos. Immortan Joe é adorado como uma divindade pelo povo miserável que cerca sua fortaleza. Ele promete vida eterna para os que se sacrificarem na estrada em nome dele: um exército de guerreiros que veneram o poder do V8 – motor de oito cilindros – e que carregam volantes de carro como totens sagrados, sempre partindo em ostensivas caravanas de saqueio em busca de combustível e água para oferecer ao seu líder. Os que morrem na velocidade do combate perecem na esperança de renascer no Valhalla. Por isso, ao acelerarem para a morte, gritam para seus companheiros: “Testemunhem”! Uma das caravanas que parte da fortaleza para roubar combustível, porém, desvia-se do caminho e toma uma trilha desconhecida de fuga. Esta caravana conduzirá a história: na direção do carro de combate que a lidera está Imperatriz Furiosa, uma das esposas de Immortan e, ocultas no veículo se encontram as mulheres do tirano. Elas não fogem apenas para sobreviver, mas para buscar um recomeço da realidade onde elas se encontram, com outros parâmetros de convivência.

Tem havido certa concordância da crítica especializada em dizer que o filme tem na personagem de Charlize Theron a protagonista, enquanto que Max seria uma espécie recordação do contexto em que os filmes se originaram. Isso parece ficar claro com a repetição de uma pergunta, sempre feita pelas mulheres, ao longo da trama: Quem matou o mundo? Este questionamento, ao partir delas, coloca em contraste a cosmovisão masculina e patriarcal – simbolizada pela violência de Immortan Joe e pelo desencantamento de Max – com a cosmovisão feminina e matriarcal, presente na obstinação de Furiosa e na força da comunidade de mulheres, que os personagens encontram a certa altura do filme. Esta comunidade é encontrada no trajeto que o grupo de protagonistas faz em busca de um suposto vale verde, que estaria oculto em algum lugar do deserto e que guardaria água e alimentos em abundância. Neste encontro, as mulheres finalmente tem um espaço para chorar seus mortos e lamentar a esterilidade da terra, em uma sequência que emociona através de um silêncio mais alto que o ronco dos motores. Nesse sentido, o conceito de Ecologia da Ação, de Edgar Morin, parece permear o filme: para o pensador francês, as melhores intenções podem carregar, com elas, a contradição de seu próprio princípio. Por isso, historicamente, é preciso identificar a rede moral onde cada ideia se insere, para perceber que visão de mundo esta ideia alimenta. O roteiro do filme, por isso, é quase didático ao identificar a brutalidade masculina com o rastro de destruição que vai sendo deixado deserto afora e a força esperançosa feminina com a proteção da vida a qualquer custo, cujo grande símbolo parece ser uma caixa de sementes, guardada por uma das anciãs do grupo de mulheres. Mas não se engane: o filme, com duas horas de duração, é uma corrida insana sem pausa para respirar. Somando-se os diálogos, eles ocupam, se muito, apenas meia hora da projeção. E isto é um dos paradoxos do filme, pois todo este subtexto se encontra muito mais em imagens, gestos e expressões do que em diálogos explicativos e conceituais.

Mad Max – Fury Road, é distópico apenas em parte, pois ao mesmo tempo em que revela as consequências extremas de uma história vivida sob o paradigma da dominação e da competição, mostra que, neste mesmo contexto é possível ocorrer uma radical transformação a favor da vida, pelo paradigma da solidariedade e da cooperação. Por isso, a certa altura, a fuga se torna um retorno ao ponto de partida, pois as próprias mulheres descobrem que o lugar onde a metamorfose biocêntrica deve começar é aquele onde estamos, desde que carreguemos conosco as sementes a serem cultivadas e partilhemos a água que fará o deserto florir.

 

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