Por Cleiton Kerber
Desde as primeiras eras da humanidade, o ser humano criou mitos para explicar fatos naturais e da vida cotidiana que hoje para nós, graças às modernas ciências e tecnologias, são facilmente analisadas e interpretadas. O mito apresenta-se sob a forma de narrativa, é uma história fantasiada, mas que não deixa de possuir uma verdade, pois é uma clara representação do ser humano na sua tentativa de explicar e ser explicado, é uma construção de ideias para entender o mundo à sua volta e ser entendido por si mesmo. Os mitos acima de tudo exprimem sentidos, trazem elementos que podem servir de ensinamento para a vida cotidiana das pessoas, ele teoriza o que não se vê, o que não é concreto, mas é sentido. O mito possui seu sentido escondido, sua mensagem se encontra nas entrelinhas. Ele exige que a interpretemos, que busquemos decifrá-la, que a decodifiquemos. Mas mesmo que tenhamos uma interpretação de certo mito, ele não se esgota, mas continua aberto a uma diversidade de significações, de tal maneira que apenas uma explanação ou análise sobre ele não saberia chegar ao seu significado último.
Os mitos vêm retratar e dar exemplos claros de como o ser humano deve agir para ter uma vida mais plena. As mitologias mais arcaicas mostram, através das ações de deuses e divindades, como o ser humano deve gerir sua vida seguindo os exemplos divinos.
Mesmo que os mitos narrem o que os deuses ou os seres mitológicos fizeram, eles não se esgotam, pois acabam por narrar uma forma do real que é inacessível ao homem. Percebe-se de forma clara essa contraposição na mitologia grega. Os deuses gregos são uma suma representação de como o ser humano gostaria de viver, eles assumem as características e levam à vida perfeita que os humanos almejam alcançar, mas que devido à incompletude ontológica que paira sobre nós, meros mortais, não conseguimos ter.
As narrativas das superaventuras reproduzem o que outrora os mitos mais comuns das civilizações antigas tentavam nos mostrar. Se séculos atrás as histórias dos deuses e dos heróis eram contadas de forma oral de geração para geração, tentando repassar ensinamentos morais e a sabedoria dos ancestrais, hoje a cultura de massa veiculada às histórias dos super-heróis acaba assumindo esse papel.
Se na antiga sociedade grega histórias como a Hércules, Aquiles, Teseu, Perseu e Jasão eram narradas para mostrar que até mesmo os heróis dotados de poderes divinos tinham que passar por provações e desafios éticos/morais, hoje as histórias do Superman, do Lanterna Verde, da Mulher-Maravilha e de tantos outros super-heróis acabam transmitindo ensinamentos que repercutem nas nossas vivencias diárias.
Os super-heróis possuem dois princípios básicos que podem caracterizá-los: o primeiro é o ato heroico, que caracteriza a constante luta do bem contra o mal, esse elemento é bem presente nas ações do personagem e na narrativa da superaventura. Por outro lado, ele carrega, ao menos ilustrativamente, os elementos da entidades mítico-religiosas clássicas, aqui representadas pelos superpoderes. Ou seja, super-heróis acenam tanto para as características do heroísmo quanto as das divindades místicas.
Tanto as narrativas mitológicas dos mais diversos povos como as próprias superaventuras são mitos que nascem do imaginário do ser humano, que busca ultrapassar suas próprias barreiras e dificuldades, procura elevar-se e transcender seus problemas existenciais.
A distância entre o mito e a superaventura é muito pequena, não são poucas as referências religiosas que se possui dentro das histórias dos super-heróis. Poderia até se afirmar que as superaventuras possuem as mesmas bases ideológicas dos mitos religiosos.
O ser humano visa um exemplo a seguir, busca um herói que possa servir-lhe de inspiração, que seja um modelo de identidade. Os super-heróis fazem bem esse papel, mostram seu crescimento em momentos de crise, de caos, quando são forçados a usar suas habilidades para poderem lidarem com algum perigo imediato que rondam suas vidas.
Podemos considerar as narrativas das superaventuras, as histórias dos super-heróis como mitologias contemporâneas que ajudam a constituir os bens da indústria cultural. Se, em primeira instância se apresentam como uma forma de entretenimento que atingiu os mais variados públicos, em segundo plano traz elementos das mais diversas tradições enraizados na cultura contemporânea, que são significativos ao ser humano, que dão sentido e sacralizam elementos seculares da sociedade e da vida cotidiana.
As histórias dos super-heróis não podem mais ser vistas somente como uma narrativa do bem combatendo o mal. Eles trazem elementos que aspiram à vida do homem contemporâneo. A forma como o personagem lida com as constantes que aparecem durante a narrativa da superaventura, assemelham-se com as que encontramos em nossos afazeres diários, são uma encarnação de nossa própria vida.
Por fim, independente dos elementos que cada leitor das HQs das superaventuras faz, elas são mitologias contemporâneas, que dão formato e ajudam a constituir a cultura própria desse tempo. Carregadas de elementos históricos, religiosos e antropológicos, que ajudam a dar sentido e trazem ensinamentos éticos/morais para à vida de seus leitores.
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