Por Cleiton Kerber
“Morte: O grande momento da vida” é uma minissérie em quadrinhos escrita por Niel Gaiman e desenhada por Chris Bachalo, foi lançada pela DC comix em 1997. Essa história em quadrinhos conta a trajetória de vida da cantora Foxglove, que possui um relacionamento homoafetivo com Hazel.
Num passado não muito distante, Hazel perdeu seu filho Alvie e para recuperá-lo fez um contrato com a morte para poder ficar com ele por mais algum tempo. A morte, representada na história como uma garota gótica simpática e muito educada, aceita fazer o acordo proposto por Hazel: deixar seu filho vivo por mais alguns meses e depois ela ou Foxglove iriam dar-se como oferenda no lugar de Alvie.
Durante o desenrolar da história surgem muitos questionamentos sobre a vida, a morte e o sentido da existência. Após alguns meses, quando a morte vem cobrar a sua parte do acordo, ela leva Hazel para o reino dos mortos, onde ocorre um diálogo profundo sobre o sentido da vida e questionamentos como: “Por que a gente sofre? Por que a gente morre? Porque a vida não é boa o tempo todo? Por que não é justo?” A morte afirmando-se como sendo uma dos seres mais velhos da história, lhe responde de forma simplória: “Bem. Eu acho que em parte tem a ver com contrastes. Luz e sombra. Se você nunca teve dias ruins, como vai saber se teve dias bons. Mas em parte é apenas isto: se você vai ser humano, tem um monte de coisas no pacote: olhos, um coração, dias e vida. Mas são momentos que iluminam tudo. O tempo que você não nota que está passando… É isso que faz o resto valer a pena.”
A morte recorre às experiências que cada ser humano vive e o sentido que coloca nelas. O questionamento sobre a vida é feito por Hazel quando ela sente o hálito frio da morte, e ela labuta contra o que vivencio até agora, questionando se isso é a vida? Se é somente isso o que ela tem a oferecer?
Hazel experimenta o esvaziamento, humilhação, impotência, derrota decretada apesar de toda a luta que fez para manter seu filho vivo. Ela se sente desnudada enquanto pessoa. Ela sente o mal que atinge a existência radicalmente.
No decorrer do diálogo a jovem moça gótica, representando a morte, vai refletindo com a mãe que luta pela vida de seu filho e faz ela perceber que a morte é um estágio da vida humana. Hazel após uma longa conversa com a morte confessa: “A gente está preocupado de mais em viver pra parar e perceber que está viva. Mas às vezes a gente faz isso e é isso o que faz todo o resto valer a pena.”
Neste momento ela percebe que a morte é parte integral da vida humana. Com ela o ser humano percebe que durante a sua existência ele terá que fazer alguma coisa de sua vida, ele terá que dar sentido e gerar frutos durante a sua estadia na terra. A morte faz com que nos dediquemos a algo maior do que somente a nós mesmos, temos que deixar nossas marcas, nossas heranças, para que quando nós não estivermos mais nesse mundo, às pessoas venham a recordar-se de nós por aquilo que fomos e fizemos. Quando Hazel consegue perceber esse grande dilema entre a vida e a morte ela olha para a sua amiga e exclama: “eu te amo”, e como de imediato a própria morte com suavidade e doçura lhe ampara dizendo: “Eu também a amo”.
A personagem morte utiliza um cordão com a cruz Ankh, um símbolo egípcio, que significa o principio feminino e masculino juntos, representando assim a vida e também a vida após a morte. Em certo momento da história a Morte anuncia sua presença no inicio de tudo, no principio da vida, pois no momento em que o primeiro ser veio a existir, ela surgiu, pois se há vida em contraste há morte. Com a simbologia da cruz Ankh e a declaração feita pela personagem, fica claro que a morte não é o oposto da vida, que a morte não é a negação da vida, mas sim seu complemento. Se há vida, um dia haverá morte, e se há morte um dia existiu vida.
A morte é o grande momento da vida, o momento que olhamos para tudo o que vivemos e vemos se valeu a pena. Morre-se no instante da morte, como se morre ao longo da vida. Este é o caminho normal de morrer. A presença da morte na existência não se veste de luto, mas na seriedade das decisões. Uma vida pensada sem morte perde-se, no final, na total irresponsabilidade.
Ao se despedir a Morte leva consigo a alma de Boris, uma personagem que surge em certo momento da história e se oferece no lugar de Hazel e de Foxglove, e parte com um presságio: “Hoje é o primeiro dia do resto da sua vida.”
Que tenhamos uma Boa Vida e com ela uma Boa Morte!
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