Por Marcelo Franco
Uma lenda é contada através dos tempos, modificando-se pela imaginação do povo, que aos poucos acaba por delinear novos contornos à tradição. Quando falamos do personagem fictício “Capitão América”, logo vêm à tona em nossa mente adjetivos originados por seus feitos, seu modo de ser, sua bravura e espírito guerreiro. Nas histórias em quadrinhos sempre foi um homem que arriscou sua vida por seu país, o que por si só já o fez ser considerado um herói.
Quando sentimos a perda de alguém querido, passamos por algumas fases, chamadas fases do luto. Na história fictícia “Morre uma lenda” a situação de perda da figura do Capitão América, vivenciada pelos heróis envolvidos nessa trama, evidencia que as fases do luto estão presentes nos sentimentos dos outros heróis e que, por mais que sejam super-heróis, eles também têm sentimentos iguais aos de pessoas comuns.
Desde o início da história, podemos presenciar os heróis perdendo o controle dos sentimentos e deixando as emoções falarem mais forte. A morte de Steve Rogers é mostrada como um episódio importante e muito triste, principalmente para os seguidores e amigos do Capitão América. O enredo se desenvolve de forma bem pesada a partir deste tabu da sociedade chamado, “a morte”. Capitão América é assassinado e sua morte se torna um mistério, pois nem as autoridades e nem os heróis conseguem descobrir quem foi o autor dos disparos que mataram o herói, fato que torna a trama mais misteriosa e enigmática.
As fases do luto tornam o indivíduo mais suscetível a sentir-se fragilizado nesse processo, no qual os sentimentos se mostram mais fortes que nossas próprias vontades os quais, por vezes, tornam a situação temporariamente fora de controle. A negação, raiva, barganha, depressão e a aceitação se constituem etapas emocionais subsequentes e decorrentes do episódio da morte de alguém querido.
Já no início da história a negação toma conta de alguns personagens, que por não aceitarem a morte do Capitão América, sentem dificuldades em assimilar os fatos que envolvem a tragédia. Nesta etapa, este sentimento leva o personagem Wolverine à atitudes extremadas, em busca da identidade do assassino de Steve Rogers, negando totalmente o ocorrido.
Na sequência dos capítulos são apresentadas as fases seguintes do luto, surgindo a raiva como a forma da impossibilidade do ego em manter a negação e o isolamento. A pessoa expressa sua raiva pelo fato que ocorre, projetando no ambiente externo toda sua revolta com o acontecido. Nesse momento da história, alguns personagens estão jogando pôquer, tentando se distrair de alguma forma, para esquecer o momento difícil, o que não acontece com certeza, pois externam sua raiva por qualquer motivo que venha a surgir durante o jogo, externando de maneira intensa e desproporcional este sentimento, diante de eventuais motivos fúteis.
Sempre é muito difícil aceitar a morte, é um acontecimento sempre indesejado em qualquer contexto, sendo que algumas pessoas conseguem encarar esse fenômeno com naturalidade e outras nem tanto. Então, quando se percebe que o sentimento de raiva não teve sentido algum e a negação também não alterou a situação, aparece a barganha. Neste momento se busca uma forma de negociar com o inegociável, imutável. Em nossa história, esta fase do luto é nitidamente apresentada na figura do Homem de Ferro que, em determinada situação, faz uma proposta astuta para o Gavião Arqueiro, na qual idealiza se tornar o Capitão América e, assim, tentar enganar a população e diminuir de alguma forma o sentimento de perda. Mas Gavião Arqueiro, apesar de chegar a avaliar a proposta, acaba não a aceitando em consideração e respeito à figura do Capitão América.
Que o Homem Aranha sempre foi fã um do Capitão América isso já se sabe, e com ele as fases não seriam diferentes. Nosso jovem herói fica preso à fase da depressão. De forma introspectiva e isolada, ele passa pela fase de sofrimento profundo. Tristeza, desolamento, culpa, medo e desesperança, são emoções comuns nessa fase. Nesta etapa, a pessoa fica introspectiva, fragilizada e acaba se isolando de tudo e de todos. É um comportamento posterior e natural, após tornar-se evidente a constatação de que negar não resolveu, se revoltar também não e de que a barganha não teve efeito. Como caminho natural, restando somente o sentimento da perda, adentra-se na fase da depressão.
Na fase seguinte do luto, em razão do tempo e das vivências por ele trazidas em cada fase do luto, as emoções já não estão à flor da pele, Os envolvidos entram na fase de aceitação. Os Vingadores, O Quarteto Fantástico, os Jovens Vingadores, pessoas famosas e outras menos famosas se fazem presentes na despedida do Capitão América, e a realidade da morte não se tem mais como negar. O que interessa nessa fase é que a pessoa se permita viver a aceitação em paz e com dignidade, o que não a constitui ou caracteriza essa fase como um estágio feliz, mas sim como uma etapa final na qual não se identifica a expressão de sentimentos de forma intensa.
Em “Morre uma lenda”, podemos notar que as fases do luto aparecem de forma organizada, mas isso não equivale dizer que as fases vão ocorrer sempre de forma sequencial para todos, pois podemos vivenciá-las de forma desorganizada. Pode-se ir direto a fase da barganha, e em seguida retornar a fase inicial da raiva sem algum motivo aparente, pois cada pessoa vai ter uma forma singular de encarar a morte.
Capitão América: Morre Uma Lenda. Coleção Oficial de Grafic Novels Marvel, Nº51. São Paulo, SP: Editora Salvat do Brasil Ltda, 2014.
Kübler-Ross, E. Sobre a morte e o morrer: o que os doentes têm para ensinar aos médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios parentes. São Paulo, Martins Fontes, 1996.
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